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sábado, 25 de agosto de 2012

Um Psiquiatra, o Botulismo e óperas de Schumann.

A história de uma toxina estética e mortal.


Justinus Andreas Christian Kerner (18/09/1786 – 21/02/1862), natural de Württemberg, Alemanha, médico psiquiatra e cientista, estudou a doença chamada botulismo de 1817 a 1822. Kerner foi o primeiro a fazer uma descrição detalhada do botulismo, sendo ainda o precursor das aplicações terapêuticas da toxina botulínica, experimentando em diversos animais, e em si próprio, os seus efeitos. Em 1822, Kerner publicou 155 relatos de caso de pacientes com botulismo e escreveu uma monografia completa sobre a toxina oriunda de linguiças, com base em experimentos com animais conduzidos por ele próprio, a partir dos quais fez as seguintes observações: a) a toxina se desenvolve em linguiças azedas em condições anaeróbias; b) tem a capacidade de interromper a transmissão motora no sistema nervoso periférico e autonômico; c) é letal em pequenas doses. Várias teorias foram propostas até que, em 1895, Emile Van Ermengem (1851-1922), um microbiologista treinado em Berlim por Robert Koch (1843-1910 – o que isolou o bacilo da tuberculose), correlacionou a epidemia de botulismo ocorrida em um funeral no vilarejo belga de Ellezelles com o isolamento de uma bactéria encontrada em alimentos servidos no evento, no qual 34 pessoas foram contaminadas, incluindo todos os músicos da orquestra contratada, sendo que três pacientes foram a óbito. Van Ermengem isolou esporos de um bacilo anaeróbio, o qual chamou de Bacillus botulinus e provou se tratar de uma toxina ao utilizar um filtrado do cultivo livre de bacilos e esporos em animais de laboratório, os quais manifestaram sinais de paralisia.  Posteriormente, o Bacillus botulinus foi renomeado, passando a ser chamado de Clostridium botulinum.  Na mão dos militares americanos, a toxina tornou-se a mais promissora arma biológica da Guerra Fria, mas sem muito sucesso, pois apesar de podermos fabricá-lo, purificá-lo, transportá-lo e utilizá-lo quando e onde quisermos, felizmente a natureza o fez de maneira extremamente frágil e instável.

Mas a Lei do Amor prevalece sempre: voltando ao Dr. Kerner, ele foi também poeta do movimento romântico alemão e suas poesias foram transformadas em música por Schumann: http://www.musiconline.xpg.com.br/videos/justinus-kerner/video/h-H8WbVgvSI
Foi ele também o criador da Klecksographie a qual conforme Ellenberger (1954/1967) milhares de crianças suíças teriam lido essa obra de Kerner e brincado com manchas de tinta, dentre elas o próprio criador do teste de Rorschach. Uma compilação das assim chamadas klecksografias é, ainda hoje, conservada em manuscrito no Museu Nacional Schiller, em Marback. 
Justinus Kerner é descrito como tendo sido “médico e pesquisador do lado obscuro da natureza” e um verdadeiro “feiticeiro da personalidade”. Ligado à corrente então muito propagada em seu meio, qual seja, a da “força curadora do ‘magnetismo animal’”, Kerner chegou a publicar uma obra clássica de ocultismo e parapsicologia intitulada Die Seherin von Prevorst (A Vidente de Prevorst), relacionando aparições que se situariam para além “da experiência perceptível pela inteligência e pelos sentidos”. 
Dr. Justinus Kerner                   Klecksographie                    Robert Schumann
Esse lado poético e talvez espiritual de Kerner tornou-o preocupado com a estética fazendo-o vislumbrar que uma toxina que causava doença tão grave, poderia ser usada para tratar doenças musculares. Em surtos de Botulismo B, ocorridos na Suíça, observou-se que a toxina, além da ação bloqueadora na musculatura estriada, bloqueava estímulos no sistema nervoso autônomo, causando supressão da produção de suor por até dois anos em alguns pacientes. Hoje ela é utilizada com sucesso para casos de hiperidrose axilar e palmo plantar, diminuindo de maneira eficaz a transpiração excessiva nesses locais do corpo humano. Mais tarde, o Dr. Justinus, talvez reencarnado, pode ver suas descobertas utilizadas para tratar a aparência das pessoas: o BOTOX ®.

Em 1978 a toxina foi aplicada em humanos, p. ex., para tratamento de estrabismo (Jean Carrhuthers & Scott) e uma paciente observou que suas rugas melhoravam muito quando a toxina era aplicada. Eles passaram a utilizá-la então para fins cosméticos, dando início ao tratamento das rugas e do envelhecimento que conhecemos atualmente. A dose usada para fins estéticos é de 25 a 50 unidades e a que faz mal ao ser humano é de 3000 unidades. A pequena quantidade usada com fins estéticos obtém os efeitos sem perigos para a saúde. O que acontece é que o músculo ou o gânglio bloqueado e em repouso forçado pela toxina fica um pouco mais fraco e assim o efeito de enrugar bem como da resposta da sudorese diminuem. A duração dos efeitos é de seis meses, e depois desaparece, exigindo nova aplicação. Algumas pessoas desenvolvem resistência à toxina, como que num efeito “vacina”, ou seja, cria anticorpos contra a toxina anulam seu efeito. Mas já desenvolveram, nos EUA a Toxina Tipo B - Myobloc® , para ser usada em possíveis pacientes resistentes.
Mas quando você se distrai, a toxina entra na sua vida através de um embutido qualquer, uma mortadela ou um enlatado de milho verde.  Você para de transpirar, fica sem rugas e ensaia parar de respirar, tudo isso em família, logo após o jantar.   A família vítima de botulismo em Santa Fé do Sul, a 620 km de São Paulo, deve receber alta em poucos dias conforme o médico responsável Dr. José Maria Ferreira dos Santos, da Santa Casa da cidade. O pai, Sr. Benedito José dos Santos, 38 , sua esposa Elisete Garcia, 30, e os filhos Juliana Bruna,  12, e Cristiano, 9, foram internados com vômito, diarreia, dificuldade de locomoção e visão embaçada. O soro específico contra o botulismo veio da capital através de uma operação da Polícia Militar e de outros órgãos públicos. A Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo através do Centro de Vigilância Sanitária publicou determinação cautelar no Diário Oficial anunciando a interdição do lote 1E0712 da mortadela da marca Estrela e do lote 300437 do milho verde em conserva da marca Quero até que a conclusão das análises das amostras recolhidas e encaminhadas pelo Instituto Adolfo Lutz. 
Agradecemos ao colega, Dr. Justinus Kerner, médico psiquiatra, poeta e magnetizador por sua determinação germânica em não só descobrir o lado ruim do clostridium como também o lado do bem, do belo e do verdadeiro, aplicando com Amor o soro que torna a vida mais bela quando a paralisia dos músculos não mais interessa ao glamour de belas faces despreocupadas com as mortadelas da vida.